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Mirante #33 Uma imersão na tragédia Yanomami

O que dizem as investigações sobre a responsabilidade do Estado na questão indígena; crônicas vindas de Salvador; os 10 anos da tragédia da boate Kiss; links sobre os indicados ao Oscar 2023

Moreno Osório, da Headline | Porto Alegre
#MEIO AMBIENTE27 de jan. de 2313 min de leitura
Moreno Osório, da Headline | Porto Alegre27 de jan. de 2313 min de leitura

Olás!

 

Moreno aqui, abrindo mais uma Mirante. Hoje é quase uma edição especial sobre a tragédia Yanomami. Mas tem também os 10 anos de outra tragédia, a da boate Kiss. Na área de cultura, selecionei alguns links sobre o Oscar 2023. Fora outros destaques. Espero que vocês curtam.

Antes de começar, deixem eu avisar: vou tirar uns dias de férias! 💆🏻‍♂️

Mas enquanto eu estarei de boa em alguma praia do sul do Brasil, a Mirante não vai parar. Nas próximas duas sextas-feiras, vocês terão o privilégio de ler a Mirante assinada pela Gaía Passarelli, referência nacional em newsletters e autora da TTMT, um dos meus boletins preferidos atualmente. 

 Obrigado, Gaía, por abraçar o desafio e engrandecer a Mirante 💌 

Vamos nessa!

Ah, antes ainda: se você chegou aqui e não é assinante da Mirante, resolva isso agora!

🔭 Tragédia Yanomami

Vocês estão acompanhando o desenrolar da tragédia Yanomami. É uma cobertura bem factual, mas que também tem elementos contextuais importantes. A seleção a seguir tenta fazer as duas coisas: dar conta dos acontecimentos — mas sem repetir notícias que vocês já conhecem — e também complementá-los para melhor entendê-los. 

No dia 20, a Sumaúma publicou esta reportagem denunciando que, nos últimos quatro anos, o número de mortes de crianças com menos de 5 anos por causas evitáveis aumentou 20% no território Yanomami. A reportagem traz algumas fotos de crianças Yanomami doentes e desnutridas. As imagens rodaram o mundo e sublinham o desespero dos indígenas, já que fotografias "são um tema difícil para os Yanomami". 

Sobre isso, deixem eu abrir um parêntese. Leiam este texto de Hanna Limulja para a Sumaúma sobre como os Yanomami lidam com a morte, e por que as fotografias — especialmente as digitais, que circulam pela internet — são um tema difícil para eles.

Um trecho:

"Tudo o que pertencia ao morto precisa ser destruído. É por isso que a imagem, que é parte constituinte e fundamental da pessoa Yanomami, é algo tão precioso e precisa ser tratada com cuidado. É por essa razão que os Yanomami pediram, dias atrás, que a foto onde aparece uma velha mulher em estado de desnutrição severa fosse apagada. Ela faleceu, mas no pensamento Yanomami ela não pode morrer enquanto sua imagem permanecer nesse plano e reanimar nos vivos a dor de sua ausência."

No dia 21, Felipe Medeiros e Leanderson Lima, da Amazônia Real, ouviram Davi Yanomami dizer a Lula: “A morte das nossas crianças na terra Yanomami e os quatro anos de governo que ficou comandando [Bolsonaro], matou o meu povo, matou meus filhos na comunidade, ele só estragou a saúde”. Como resposta, ouviu do presidente que os garimpeiros ilegais serão retirados de lá.

O InfoAmazonia publicou uma entrevista com a autoridade responsável pela expulsão do garimpo. Em conversa com Fábio Bispo, Eunice Kerexu Yxapyry, que está à frente da Secretaria de Direitos Territoriais e Ambientais Indígenas, uma das áreas mais estratégicas do Ministério dos Povos Indígenas, afirmou que esta será uma de suas principais prioridades.

"[...] entre as principais urgências está a retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami [Roraima], que será um trabalho que vai envolver outras estruturas do ministério e articulação com outras pastas, como Ministério da Justiça, Meio Ambiente e a Saúde Indígena. A prioridade é tirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Nesses primeiros dias de trabalho nos dedicamos a fazer um planejamento para mapear toda a situação e nosso objetivo é que esta ação ocorra de forma bastante organizada."

No dia 24, Oscar Valporto publicou no #Colabora esta matéria que repercute uma nota publicada pelo Ministério Público Federal em Roraima a respeito das denúncias feitas à Justiça desde 2019 a respeito da situação Yanomami. Todas ignoradas por Bolsonaro.

No mesmo dia, Rubens Valente trouxe, na Pública, uma atualização dos dados da tragédia: cerca de 36% das crianças Yanomami, escreveu o repórter, "têm um peso não condizente com sua altura, um indicativo importante de desnutrição". Uma das fontes ouvidas pela reportagem foi o médico Paulo Cesar Basta, referência em saúde Yanomami no país. Ele disse o seguinte: “O estado nutricional das crianças Yanomami é realmente muito ruim, só comparável aos dados de crianças da África Subsaariana”.

Esta reportagem de Edson Sardinha, do Congresso em Foco, traz dados de um relatório publicado pela rede colaborativa MapBiomas sobre a situação do crescimento do garimpo ilegal em terras Yanomami. Entre 2016 e 2020 houve um aumento de ​​3.350%.

Ainda no dia 24, a Amazônia Real publicou uma entrevista exclusiva com o líder do povo Yanomami Davi Kopenawa.

“Quem matou o meu parente, meus irmãos, minha família, foi o [ex-]presidente Jair Bolsonaro. Nos quatro anos que ele ficou junto com os garimpeiros levou a doença, coronavírus, malária, gripe, disenteria, verminose e outras doenças. Foi ele que matou. Ele matou e foi embora. Se não tivesse matado, estava aqui junto com nós.”

Dário Yanomami, filho de Davi Kopenawa, também participou da entrevista: 


“Ele [Bolsonaro] apoiou empresários, compradores de ouro, compradores de exportação de madeira e soja. São os ricos que apoiou para comprar mais maquinários, mais mercúrio, apoiou facções, crime organizado. Empurrou todos para enfraquecer a situação do povo Yanomami, dos povos indígenas.” 

  • Para ficar clara a responsabilidade do Estado brasileiro — especialmente sob o comando de Jair Bolsonaro — na tragédia Yanomami, vale ler este conteúdo do Aos Fatos sobre quem é responsável pela saúde, segurança e garantia dos direitos indígenas. É esclarecedor. Aproveitem e vejam esta outra matéria do Aos Fatos que recupera todas as declarações mentirosas de Bolsonaro sobre os Yanomami.

     

Agora leiam esta outra reportagem da Sumaúma. Talita Bedinelli explica como a crise — que existe e é denunciada há anos — se tornou mais aguda em tempos recentes. O governo Bolsonaro diminuiu o acompanhamento médico de crianças Yanomami em 75%. Isso gerou um apagão estatístico: quando não há registro de desnutrição, não há desnutrição, certo? Não. Os casos seguiram acontecendo, mas o Estado fechou os olhos.

Por isso há quem diga que já há indícios suficientes para que Bolsonaro responda por crimes de extermínio e até de genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI), a mais importante Corte de Direitos Humanos do mundo. Leiam esta esclarecedora entrevista que meu colega de Headline Andrei Netto fez com a magistrada brasileira Sylvia Steiner, ex-juíza do TPI.

Um trecho:

"[...] não se trata só de indiferença. Acho que ficou, a partir da epidemia, muito mais claro que se trata de um ataque deliberado contra as populações indígenas, uma política de Estado de ataque deliberado. Essa é a definição de um crime contra a humanidade."

Agora, todos sabemos: esta crise não começou agora. Por isso convido vocês a lerem este pequeno compilado que produzi ao longo da semana com oito reportagens publicadas pelo jornalismo independente que anteciparam o horror Yanomami.

E considerem dar uma olhada nessas outras duas reportagens publicadas hoje e que avançam nas investigações sobre o papel do Estado na tragédia Yanomami.

  • Na Pública, Thiago Domenici revela que uma base da Funai em Roraima estava sendo utilizada pelo garimpo ilegal.
     

  • No InfoAmazonia, investigação de Fábio Bispo e Fred Santana mostra que remédios de combate à malária desviados da Terra Indígina Yanomami estavam sendo comercializados por garimpeiros em grupos de WhatsApp.

Pra fechar o assunto (e pra pensar duas vezes antes de presentear alguém com uma joia), leiam esta matéria do Nexo sobre como funciona o esquema de lavagem de ouro vindo de terras indígenas. A reportagem mostra passo a passo como o ouro sai do garimpo e chega às vitrines de joalherias e a componentes eletrônicos de computadores e celulares. 

🔭 Desvendando os militares

Deem uma olhada na entrevista que minha colega de Headline Deborah Berlinck fez com o doutor em Ciência Política Eduardo Heleno de Jesus Santos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) que há anos estuda grupos militares de pressão política. Ele relata como evoluiu, desde a redemocratização, a forma de distribuição de narrativas (negacionistas) da história do país. E afirma: Olavo de Carvalho não inventou nada, apenas "repetiu o que generais aposentados destes grupos vêm dizendo há anos", como escreveu Berlinck.

💌 Crônicas vindas de Salvador

Vocês que acompanham a Mirante já leram a Entre Becos, uma newsletter que produz reportagens a partir das periferias de Salvador. Então deem uma olhada neste projeto, explicado por Gabrielle Guido, coordenadora da Entre Becos. Ela conta que a news foi convidada a participar da disciplina Tópicos Especiais em Cultura, Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades, da UFBA, no semestre passado. A troca de experiências resultou em crônicas produzidas pelos estudantes. Aí a Entre Becos decidiu publicar três desses textos. O primeiro deles foi enviado nesta semana. Separei um trecho para vocês da crônica de Murilo Adriel da Silva Passos. Leiam a íntegra aqui.

"Na escola, havia professores que gostavam de mim e professores que eu sentia que não gostavam. Mas os que gostavam, pareciam gostar muito. Me davam livros que compravam da revista de cosméticos que eu vendia para minha mãe. Uma professora em especifico, Maria Ferreira, me motivava para o teatro. Eu fiz vários protagonistas nas peças que ela organizava. Fui o Fantasma da Ópera, fui o Pequeno Príncipe, fui o Zorro. Perguntavam: “Ele pode? ” Ela: “pode! ”

Eu, que sou preto, precisava disso."

🙋🏽‍♀️ Skate das minas

Já que estamos na vibe de dar espaço para estudantes, vejam que bacana esta reportagem produzida por graduandos de jornalismo da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, e publicada na Emerge Mag. A matéria conta a história de um coletivo de skate feminino da zona sul da capital paulista. O começo do texto já me pegou. Olhem só: 

"Foi um ex-namorado que apresentou o skate a Camila Alves, 36. O ano era 2016. Ela, que já era fã de rock, havia tido um banda cover de Metallica, logo se apaixonou pelo esporte. Ao notar o demasiado interesse de Camila pelas pistas, o boy tentou afastá-la da cena skatista. Mas era tarde demais. Segundo a skatista, a autoconfiança conquistada através do esporte foi essencial para enxergar as atitudes abusivas de seu ex-parceiro e dar fim à relação."

🎂 Aniversariante da semana 

⛪ Largo do Rosário

Artigo da revista Amarello conta a história do Largo do Rosário — localidade que foi soterrada na construção da cidade de Belo Horizonte, em 1897. O texto conta que nesse largo estavam localizados o Cemitério dos Homens Pretos e a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, duas importantes referências para a população negra à época.  

🔭 Protocolos de acolhimento a mulheres agredidas

  • Esclarecedora esta matéria do Nexo sobre os protocolos seguidos pela casa noturna em que uma jovem foi violentada pelo jogador Daniel Alves. O texto mostra como funciona lá em Barcelona (e na Espanha) e aponta para a necessidade de protocolos dessa natureza serem implementados em outros lugares, como no Brasil.

🔭 Dez anos da Kiss

Exatamente hoje, completam-se 10 anos de uma das maiores tragédias do Brasil. Dentre os muitos conteúdos da efeméride que irão passar por vocês hoje, sugiro a leitura desta entrevista que a editora-chefe do Matinal Jornalismo fez com a primeira enfermeira que entrou na boate naquele 27 de janeiro de 2013. Na época, Liliane Mello Duarte era enfermeira do Hospital da Brigada Militar e foi a responsável por retirar os corpos de dentro da boate, identificá-los e entregá-los às famílias. Ela inspirou uma personagem da série da Netflix sobre a tragédia — que estreou nesta semana. Leiam um trecho.

"Entrei depois que um oficial me informou que estavam já todos mortos lá dentro. Sou enfermeira e, historicamente, nas guerras, batalhas, cabe à enfermagem o cuidado com os corpos. Eu tinha 48 anos na época. Fui a primeira mulher a entrar. O impacto de entrar lá… Os celulares tocando músicas de tudo quanto era tipo, aquela escuridão, um calor insuportável."

🏳️‍⚧️ Visibilidade trans 

  • Domingo é o Dia da Visibilidade Trans. Esta reportagem do #Colabora aborda "os dois lados da moeda da saúde pública para pessoas trans no Brasil".


🎥 Oscar 2023

Um dos assuntos da semana. Agora começa aquela correria para ver o máximo de filmes candidatos até a noite da premiação. Bons tempos em que eu chegava nessa época com vários assistidos. Agora, já fico feliz em ter visto "Nada de novo no front" parcelado em quatro vezes. Enfim. Se vocês ainda não viram os indicados, leiam esta nossa matéria

No Escotilha, Paulo Camargo escreveu sobre "Nada de novo no front", uma leitura cinematográfica do livro homônimo de Erich Maria Remarque. Dirigido pelo alemão Edward Berger, o filme narra a trajetória do jovem soldado alemão Paul Baumer nas trincheiras na Primeira Guerra. O longa está concorrendo a nove estatuetas, incluindo melhor filme. "Angustiante e claustrofóbico", escreveu Camargo. Já eu diria: brutal. 

Paulo Camargo também escreveu sobre a leitura de Guillermo del Toro para Pinóquio. O crítico avalia que Del Toro "dá um passo à frente" das demais adaptações do clássico de Carlo Collodi ao politizá-lo. Na Itália de Mussolini, o boneco e seu criador, Geppetto, são hostilizados pelos moradores do vilarejo onde vivem. O lugar é comandado por um prefeito alinhado ao fascismo, seguidor do lema “Pátria Acima de Todos e Deus Acima de Tudo”.

Na Piauí, Eduardo Escorel falou sobre "Argentina, 1985". Escorel divide seu argumento em dois. O primeiro é histórico-contextual. Ele concorda que o longa protagonizado por Ricardo Darín permite traçar paralelos entre como Brasil e Argentina lidaram com os crimes de suas ditaduras. O outro é cinematográfico. Escorel diz faltar "audácia de linguagem" e classifica o roteiro como "ultraconvencional". O resultado é uma experiência "estética banalizada".

  • Na Muralzinho de Ideias, a lista das animações indicadas ao Oscar.

NO HORIZONTE

É isso, pessoal!
Volto no dia 17, sexta-feira de carnaval!
Cuidem-se e recebam bem a Gaía na semana que vem 😉

Moreno Osório

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