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Mirante #38 O depoimento de um "carrasco" dos trabalhadores em Bento Gonçalves

As chuvas no litoral de SP e as crianças | Como usar o ChatGPT para perguntar melhor | Um documentário sobre o desmonte na ciência | Entrevista com Beatriz Matos, esposa de Bruno Pereira | Queremos emoji de caju!

Moreno Osório e Gaía Passarelli, da Headline | Porto Alegre e São Paulo
#NEWSLETTER3 de mar. de 2310 min de leitura
Moreno Osório e Gaía Passarelli, da Headline | Porto Alegre e São Paulo3 de mar. de 2310 min de leitura

Olá!

Moreno aqui, abrindo mais uma Mirante Headline. 

Estamos eu e Gaía Passarelli nesta edição. Enquanto a Gaía dá boas dicas culturais, eu passo pelo episódio vergonhoso de Bento Gonçalves, falo das chuvas de São Paulo e dou notícias da floresta, entre outros assuntos. 

Ah, antes de começar só queria lembrar vocês que a Mirante está sempre de portas abertas. Seja para bater um papo, seja para receber emails e pautas no endereço moreno ponto osorio arroba headline ponto com ponto br.  

Agora sim. Boa leitura!

Vocês devem por estar por dentro do que rolou em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, não muito longe de onde escrevo. De qualquer forma, aí vai um resumo da vergonha: na noite do dia 22, autoridades fizeram uma operação para resgatar mais de 200 pessoas (a maioria baiana) mantidas em regime análogo à escravidão de uma empresa que fornecia mão de obra para as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, e alguns proprietários rurais. Bom lembrar que estamos na época da colheita da uva. No local foram encontrados spray de pimenta e uma máquina de choques elétricos. A higiene era péssima e a comida imprópria para o consumo. Se precisassem de algum mantimento, só poderiam comprar de um lugar e com preços exorbitantes. Se por acaso alguém não pudesse trabalhar, precisaria pagar uma multa de R$ 1,2 mil. Alguns já estavam com problemas de saúde. 

Escândalo nacional.

A resposta das empresas foi vergonhosa. Disseram que não sabiam. Mas isso, é claro, não isenta da responsabilidade. Ao Sul21, a juíza do trabalho Valdete Souto Severo afirmou que "o próprio fato em si já é determinante para que haja responsabilidade de quem de algum modo se beneficiou com essa situação de trabalho". A vergonha seguiu com a declaração de uma entidade do setor. E culminou com o posicionamento de um vereador da região. O governador do Estado, Eduardo Leite, repudiou as falas xenófobas de Sandro Fantinel (Patriota) — posteriormente expulso pelo partido. E agora pode ser cassado. Quanto às condições de trabalho, a promessa é de fiscalização. E de pagamento de direitos dos trabalhadores. Mas a bancada negra da Assembleia Legislativa do RS quer criar uma comissão para investigar combate ao trabalho escravo no Estado.

Depoimento do “carrasco”

Grande parte dos links acima é do Sul21, veículo independente sediado em Porto Alegre. Além das matérias factuais, sugiro que vocês leiam este relato de um jovem cozinheiro cujo sonho era trabalhar na vindima e acabou como "carrasco" dos demais trabalhadores.

Um trecho da reportagem de Luciano Velleda.

"Na prática, a função do líder era ser um “carrasco”, como define Vitor. “O que eles esperavam de mim, era que eu não trabalhasse, que ficasse parado vigiando e entregasse nomes”, afirma.

Nos primeiros dias de trabalho, o cozinheiro alçado à posição de dedo-duro começou a perceber trabalhadores cansados, estressados, alguns de ressaca por uma noite de bebedeira. Sem saber ao certo como agir, decidiu pedir orientação para outros líderes.

'Você entrega o nome pra essa pessoa que ela dá um jeito', foi a resposta que ouviu. Essa pessoa, no caso, era um homem com arma na cintura, vestindo uma camiseta com o rosto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)."

Leiam também a coluna de Juremir Machado da Silva no Matinal, parceiro da Headline.

Um trechinho:

"Não adianta oferecer fotografia de cartão postal para o turista na parte da frente da montagem escondendo, por trás da cena, um rastro de iniquidade. Correm campanhas na internet de cancelamento das marcas envolvidas. Será preciso trabalhar muito para eliminar a raiz dos problemas e reconstruir a imagem. Não bastará retoque de photoshop. Até armas de choque se usavam nos corpos escravizados. O que essa situação apavorante ensina? Talvez que existam sempre aqueles dispostos a usar os mais infames e antigos métodos para ganhar dinheiro."

A História explica

E o que explica as declarações das empresas, da entidade e do vereador? A história brasileira. É o que afirma a cientista política Natália Suzuki ao Nexo. 

Um trecho:

"A exploração laboral — não só o trabalho escravo em si — faz parte da história do país. Junto com a desvalorização do trabalho braçal, ela é constitutiva da sociedade brasileira."

Leia ainda:

Pra fechar, uma curiosidade que ganha força com o episódio. Talvez pessoas de outros Estados do Brasil não saibam que o hino do RS tem um verso que diz assim: "Povo que não tem virtude acaba por ser escravo". Por aqui há uma discussão que questiona a estrofe e sugere sua mudança para: "Povo que não tem virtude acaba por TER escravos". Cá pra nós: essa sugestão parece bem adequada, não?

Chuvas em São Paulo

Leiam o depoimento que Graziela de Andrade, vendedora de uma loja na Barra do Sahy, deu a Thallys Braga, para a Piauí. Ela relata o desespero de ver a água subir durante a madrugada do dia 19 e compartilha a dor de ver a cidade destruída e a incerteza em relação ao futuro. 

Um trechinho: 

"Naquele dia, eu achei estranho que uma água suja começou a subir pelo ralo do banheiro. Por mais que chova bastante, isso não acontece com frequência aqui. E a rua encheu muito rápido, logo no começo da chuva."

  • Leia também: matéria do Lunetas fala de racismo ambiental ao perguntar como estão as crianças do litoral norte de São Paulo.

  • Sobre o mesmo assunto: Agência Mural aborda o racismo ambiental a partir do ponto de vista das limitações econômicas das famílias periféricas.

Perguntas melhores

ChatGPT taí e tecnologias de IA vieram para ficar, a gente sabe. Como adequar a educação às realidades emergentes? Esta matéria do Lunetas é interessante para pensar tanto o sistema da Open IA quanto para a tecnologia de maneira geral na vida das crianças, seja na escola ou em casa. Especialistas ouvidos pela reportagem sugerem que o ChatGPT pode ajudar as crianças a fazerem perguntas melhores e dizem que a intencionalidade é o fator principal de um uso seguro e saudável de qualquer tecnologia. "O uso das novas tecnologias não deve ser visto como algo informal", diz Estela Endlich, diretora responsável pela área de inovação e tecnologia na Secretaria Municipal de Educação de Curitiba (PR).

Para assistir 

O Congresso em Foco lançou nesta semana um documentário exclusivo sobre o desmonte e a tentativa de retomada da ciência brasileira. Com 26 minutos, o filme é um ponto culminante da série "Ciência à Deriva", esforço de jornalismo do Congresso em Foco e apoiado pelo Instituto Serrapilheira que abordou diferentes ângulos do retrocesso vivido pelo setor nos últimos anos, como os cortes nos financiamentos, a falta de recursos para universidades e institutos, a diáspora de cientistas e o negacionismo do antigo governo.

Coisas que talvez você não tenha visto.

  • Peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas. Leiam no #Colabora uma boa notícia sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, cartão-postal do Rio de Janeiro: há quatro anos o local não registra mortandade de peixes. Caranguejos, aves e, claro, mais peixes, têm sido vistos na lagoa, cujas águas agradecem a melhora no saneamento.

  • Indígenas defensores do agronegócio. N'O Joio e o Trigo, o podcast Prato Cheio aborda o avanço do agronegócio em terras indígenas. A reportagem revela como lideranças indígenas deixaram os modos de vida tradicionais para trás para se tornarem bolsonaristas e defensores do agronegócio.

  • As estradas e a fauna. O Fauna News fala sobre uma iniciativa do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas): um guia para ajudar a evitar atropelamento de animais silvestres. A publicação é voltada para motoristas do Mato Grosso do Sul, que registrou 614 colisões envolvendo animais, entre 2017 e 2019.

Notícias da floresta

Beatriz Matos, esposa de Bruno Pereira, partilha com Eliane Brum, nesta entrevista publicada na Sumaúma, o desafio de retornar pela primeira vez ao Vale do Javari, local onde o marido foi morto. A antropóloga foi nomeada diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Isolados e de Recente Contato, no Ministério dos Povos Indígenas, e está articulando, junto à Univaja, a retomada da região por parte do Estado. Uma das coisas mais legais da entrevista é quando Bia, como é conhecida, descreve o caráter cosmopolita da região fronteiriça onde o Vale do Javari está localizado. "Uma coisa que me impressionava muito é que você podia passar um mês sem repetir a carne ou peixe".

Leia também:

Por Gaía Passarelli

Um pouco de cinema, um pouco de música e um pouco de absurdo. Nos links de hoje eu trago uma dica de filme e outra de show, em recomendações dos nossos parceiros.

Faroeste urbano

Com a proximidade da premiação do Oscar e o assunto cinema na boca de todo mundo, vale destacar o excelente "Mato Seco em Chamas", faroeste urbano que acompanha a trajetória de mulheres ex-integrantes do sistema prisional, interpretando a si mesmas. Da para ler uma boa crítica na revista O Grito.

Calçado-desejo

Talvez você tenha visto nas redes sociais o calçado-desejo da temporada: uma grande bota vermelha de borracha que parece algo saído de desenho animado. E é mesmo! A Gama explicou o que está por trás dos pés de anime que tomaram conta do Instagram.

The Last Poets

Enquanto isso, em São Paulo: o Jotabê Medeiros explicou por que  o show do lendário coletivo norte-americano The Last Poets (dia 18 no Sesc Pompéia, em São Paulo) já é o evento mais importante do ano. Não conhece? Corre aqui.

Emoji de caju

Para encerrar: emoji também é cultura e a Agência Eco Nordeste conta que um coletivo nordestino está fazendo uma petição oficial para a próxima atualização de emojis terem (finalmente!) um emoji de caju. Vale lembrar que isso já aconteceu antes, com petições para emojis de taco e para a inclusão da bandeira trans. Existem regras rígidas para a inclusão de novos emojis, e toda uma documentação para ser preenchida.

Leia também: a arte de quatro mulheres do agreste pernambucano que mantém viva uma tradição de selaria artesanal (Marco Zero

NO HORIZONTE

É isso, pessoal!

Bom final de semana a todos e todas.

E até sexta que vem!

Moreno e Gaía

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